Pular para o conteúdo
Início » Especialistas debatem os impactos das plataformas digitais e o futuro das políticas culturais

Especialistas debatem os impactos das plataformas digitais e o futuro das políticas culturais

Ativistas culturais e pesquisadores da USP e de outras universidades discutem a questão; iniciativa é um projeto do governo estadual e conta com curadoria do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

  Publicado: 24/05/2023

Texto: Gustavo Roberto da Silva
Arte: Carolina Borin Garcia

A edição 2023 do Ciclo de Gestão Cultural, iniciativa do governo estadual, conta com a curadoria do Celacc-USP – Fotomontagem: Jornal da USP – Imagens: Freepik e Flaticon

A Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, gerenciada pela Poiesis — Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura —, promove por meio do Programa Oficinas Culturais a edição 2023 do Ciclo de Gestão Cultural. A iniciativa é organizada em uma série de diálogos que aprofundam discussões sobre a área da cultura, distribuídos em webinários com convidados especiais. O ciclo já foi iniciado e os encontros ocorrem entre os meses de maio e novembro. O prazo final das inscrições, realizadas via formulário digital, varia a cada diálogo e pode ser consultado no site oficial.

O programa conta com a curadoria do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e do Senac São Paulo. A iniciativa é realizada há dez anos e está em sua quarta edição on-line. Neste ano o foco dos encontros são o futuro das políticas culturais, além dos impactos da tecnologia, principalmente das plataformas digitais, no mercado cultural.

O Celacc oferece três programas de formação, sendo o curso de Gestão de Projetos Culturais o mais antigo. “Nosso curso já formou muitos gestores que atuam em espaços como Sesc, prefeituras, espaços culturais e na própria Poiesis”, conta o professor Dennis de Oliveira, coordenador do núcleo. Atualmente, os outros cursos oferecidos são de Mídia, Informação e Cultura; e Cultura, Educação e Relações Étnico-Raciais. A partir do contato com os gestores, o Celacc construiu uma boa relação com os órgãos que fomentam e gerenciam iniciativas culturais.

Dennis de Oliveira - Foto: Arquivo Pessoal

Dennis de Oliveira – Foto: Arquivo Pessoal

Dennis afirma que a programação do evento foi construída de maneira conjunta entre o núcleo de pesquisa da USP e a Poiesis, valorizando a diversidade étnica e cultural. “É uma temática que enfatizamos em todos os nossos cursos. Somos um núcleo de estudos da América Latina e consideramos que a diversidade cultural é o que há de mais singular no continente e é o que unifica a América Latina. Qualquer tipo de projeto sobre gestão cultural precisa levar isso em conta”, diz.

A programação conta com variados ativistas, artistas e produtores culturais de diversas origens e grupos sociais, como o cineasta Takumã Kuikuro, o escritor Daniel Munduruku, a jornalista, cineasta e ativista Ursula Vidal, o músico e pesquisador Salloma Salomão, a empreendedora social Silvana Bahia e muitos outros.

Os webinários iniciais farão um balanço das políticas culturais no País, apresentando uma análise do setor cultural nos últimos anos, pensando nas questões relacionadas diretamente ao Ministério da Cultura, assim como os novos aprendizados adquiridos ao longo do período de crise sanitária. Já a segunda metade dos webinários abordará a relação entre as políticas culturais e as plataformas digitais, considerando especialmente a regulação, as condições de trabalho e o modelo de negócios baseado na datificação e táticas para extração de informações.

Cartaz do evento – Foto: Divulgação

Políticas culturais no Brasil

Segundo o coordenador do Celacc, a situação do mercado cultural no País foi inclusive um dos motivadores para a construção do evento. “Nós tivemos um período de terra arrasada no governo passado, uma destruição das políticas culturais e até uma agressividade midiática, criminalizando questões culturais e os fazedores de cultura”, ressalta.

O evento também discutirá os desafios para a criação de um novo Plano Nacional de Cultura (PNC) e como o Sistema Nacional de Cultura (SNC) e o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) poderão ser fundamentais na democratização, regulação e tomada de decisões a partir de informações qualificadas.

“A gente observa que há uma possibilidade de reconstrução do SNC, que é uma grande conquista da área cultural. É um sistema que incentiva a questão das parcerias nas esferas federal, estadual e municipal na promoção cultural. Além disso, ele conta com mecanismos participativos, como a definição das verbas de cultura, que devem ser feitas a partir dos conselhos e das conferências de cultura. Essa reconstrução é fundamental e parece que o novo Ministério da Cultura está sinalizando para isso”, conta o professor Dennis.

Ministério da Cultura ganha novo letreiro. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O professor ainda destaca o fortalecimento de programas de fomento à cultura em periferias de São Paulo e cita exemplos, como o Programa VAI e a Lei 16.496/16, que institui o Programa de Fomento à Cultura da Periferia. “A gente vê o cenário de uma forma positiva, com uma ministra da Cultura (Margareth Menezes) que é muito vinculada a essas temáticas, com o João Jorge que é um grande artista, com uma trajetória importante na cultura afro da Bahia, trabalhando na reconstrução da Fundação Cultural Palmares. A gente nunca deixou de fazer essas discussões, mas o momento anterior era mais de resistência e agora o ambiente está mais favorável para que a gente possa avançar nesse debate”, conclui.

Para Dennis, o debate sobre as plataformas digitais já ensaiava algum crescimento, mas se impôs de fato com a pandemia. “Com as políticas de isolamento para a prevenção da contaminação por covid-19, a cultura teve que se reinventar, passando a utilizar essas plataformas digitais. Houve uma migração dos espaços culturais presenciais para as plataformas digitais, que, mesmo após a pandemia, continuam sendo uma modalidade de mediação de eventos culturais”, conta.

Plataformas digitais e o mercado cultural

Todos os últimos quatro webinários discutem a plataformização da produção cultural e serão mediados por João Roque, mestre em Ciências da Integração da América Latina pelo Programa Integração da América Latina (Prolam) da USP e pesquisador responsável pela área de Projetos Especiais do Celacc. “O principal objetivo da discussão é disseminar termos e referências que nos ajudarão a entender o modo de operação das grandes plataformas e como elas têm impactado toda a cadeia produtiva das indústrias criativas”, afirma Roque.

O pesquisador chama a atenção para o fato de que os projetos culturais nos meios digitais são necessariamente inseridos em plataformas como redes sociais e serviços de streaming, que, ao mesmo tempo que representam uma oportunidade para trabalhadores criativos pela facilidade de ingressar no mercado cultural, centralizam a produção e obtêm lucro em uma margem muito superior à do artista.

“Por exemplo, o Spotify é a empresa de streaming de música e podcast dominante no Brasil, e conta com 515 milhões de ouvintes mensais. Contudo, dos cerca de 11 milhões de artistas vinculados à plataforma, apenas 57 mil ganharam aproximadamente 10 mil dólares em 2022. Então, definitivamente as plataformas representam uma ótima oportunidade, mas é preciso que as políticas culturais possam atuar de maneira estratégica para não reproduzir os aspectos negativos do processo de plataformização. No caso do Spotify, a quantidade de artistas que recebem 10 mil dólares deveria ser muito maior”, ressalta.

João Roque – Foto: Celacc/USP

Roque ressalta que as contribuições do Celacc para o debate sobre a cultura e a diversidade ocorrem por meio de projetos, como as Oficinas Culturais do Estado de São Paulo e com a participação dos pesquisadores do núcleo em seminários e eventos. “Esta semana apresentaremos um paper na Latin American Studies Association (LASA), discutindo justamente os desafios de implementar políticas culturais com a emergência de plataformas digitais e dos sistemas inteligentes”, conclui.

Os webinários do Ciclo de Gestão Cultural ocorrem sempre on-line, às segundas-feiras. Confira a programação:

29/5, segunda-feira – 19h30 às 21h30

Os legados do Plano Nacional de Cultura e os desafios para a construção de um novo marco para políticas culturais

com Alexandre Barbalho, Giuliana Kauark e Ursula Vidal | Mediação: Claudia Vendramini Reis

Inscrições até 25/5

26/6, segunda-feira – 19h30 às 21h30

O Sistema Nacional de Cultura e os desafios para uma governança democrática da cultura

com Américo Córdula, Daniele Canedo e Zé Renato Fonseca de Almeida | Mediação: Claudia Vendramini Reis

Inscrições até 22/6

31/7, segunda-feira – 19h30 às 21h30

O Sistema Nacional de Cultura e os desafios para uma governança democrática da cultura

com Daniel Munduruku, Salloma Salomão e Silvana Gimenes | Mediação: Dennis de Oliveira

Inscrições até 27/7

28/8, segunda-feira – 19h30 às 21h30

A plataformização da produção cultural e os desafios para a criação de políticas culturais

com Jonas Valente, Ludmila Abílio e Viviane Pitaya | Mediação: João Roque

Inscrições até 24/8

25/9, segunda-feira – 19h30 às 21h30

Datificação e extrativismo digital: Valor cultural e valor econômico na era das plataformas

com Fernanda Bruno e Silvana Bahia | Mediação: João Roque

Inscrições até 21/9

30/10, segunda-feira – 19h30 às 21h30

Presencial, on-line e imersão: Novas formas de pensar o consumo e a participação na produção cultural

com Dani Ribas e Paula Perissinotto | Mediação: João Roque

Inscrições até 26/10

27/11, segunda-feira – 19h30 às 21h30

Um passo além: Pensando as relações entre arte, educação e inteligências artificiais

com Juliana Michelli S. Oliveira, Leonardo Moraes e Potyratê Úi Tupinambá | Mediação: João Roque

Inscrições até 23/11

Texto: Gustavo Roberto da Silva
Arte: Carolina Borin Garcia

Jornal Usp 

www.radiomigrantes.net

× Fale conosco!