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Missão Paz publica nota conjunta manifestando preocupações em relação à Portaria Interministerial nº 42 de 22/09/2023

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As organizações da sociedade civil abaixo-assinadas vêm publicamente manifestar
sua preocupação com a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 42, de 22 de setembro
de 2023, publicada hoje (26/09/2023) no Diário Oficial da União. Menos de uma semana
após o anúncio feito pela Secretaria Nacional de Justiça (SENAJUS) sobre a realização da
segunda Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (COMIGRAR) em 2024,
dentro de um contexto promissor instituído pelo governo Lula para a construção de uma
Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, fomos surpreendidas pela edição da
Portaria ora mencionada, uma vez que ela restringe consideravelmente o direito de migrar e
de buscar proteção internacional da população afetada por uma das principais emergências
mundiais: a situação de grave perseguição, violência e instabilidade no Afeganistão, indo
em sentido completamente oposto a medidas importantes adotadas pelo atual governo
sobre o tema.

A nova Portaria, em seu artigo 3º, condiciona a concessão de visto temporário
à existência de capacidade de abrigamento por organizações da sociedade civil com
acordo de cooperação com o governo. Isso, além de atacar diretamente o princípio da
acolhida humanitária disposto na Lei de Migração brasileira e o direito de buscar proteção
internacional no marco da Lei de Refúgio, coloca as pessoas afegãs em uma posição ainda
mais vulnerável, dependendo da disponibilidade e capacidade dessas organizações. Além
disso, é de domínio público que restrições de entrada não evitam que as pessoas
deixem de sair de seus países em busca de salvar suas vidas e de suas famílias, mas
sim as expõem ainda mais a situações de exploração pelas redes de contrabando de
migrantes. Esse modelo certamente privilegiará grupos e pessoas com maior capital social
e financeiro e aumentará o risco de facilitação da emissão de vistos e apoio mediante a
pagamentos e favorecimento de rotas irregulares.

Como inovação, o mesmo artigo 3º da Portaria prevê que o Ministério da Justiça e
Segurança Pública (MJSP) enviará ao Ministério das Relações Exteriores lista nominal das
pessoas que serão entrevistadas, com base no resultado do edital de chamamento público
de organizações da sociedade civil que se propuserem a abrigá-las. Isto é, a sociedade civil
e o MJSP passam a participar do trâmite de solicitação do visto humanitário, porém, não há
detalhamento sobre como se dará o fluxo criado. Sabe-se que existem milhares de afegãos
aguardando a reabertura de novas datas para agendamento de entrevistas nas
Embaixadas, e a criação de novas etapas para o pedido e concessão do visto
humanitário tornará o processo ainda mais dificultoso e excludente.

Além disso, o parágrafo 1º do artigo 2º da nova Portaria também apresenta um
retrocesso em relação à anterior, já que determina que o visto será concedido
exclusivamente pelas Embaixadas brasileiras em Teerã e Islamabad, reduzindo
potencialmente a capacidade para a análise dos pedidos e aumentando a fila de
solicitantes, uma vez que anteriormente as Embaixadas em Ancara, Moscou, Doha e Abu
Dhabi também estavam habilitadas a prestar esse serviço. Não parece razoável a retirada
da habilitação da Embaixada em Ancara de conceder o visto humanitário, por exemplo, já
que seria a terceira Embaixada mais procurada pela população afegã que busca pelo visto
para acolhida humanitária. Adicionalmente, a Turquia não tem se mostrado um país
acolhedor para nacionais do Afeganistão, além de termos notícias de já ter deportado
milhares de pessoas afegãs, ignorando a situação humanitária.

Cabe ressaltar ainda que a Portaria não reserva nenhum artigo para tratar sobre a
necessária facilitação da reunião familiar para pessoas afegãs que já estejam no Brasil,
tema de grande importância que precisa ser encaminhado com urgência, para evitar a
separação das famílias por tempo desarrazoado. Também levanta preocupação o fato de
que a desistência ou renúncia tácitas ou automáticas, conforme consta no art. 10º,
restringem o poder de escolha das pessoas em relação aos seus status legais.

Infelizmente, a tentativa de impor barreiras à migração de pessoas afegãs não é
uma novidade. Apesar de na Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 24, de 03 de setembro
de 2021, publicada na gestão Bolsonaro, não constar previsão de apoio financeiro de
organizações da sociedade civil a solicitantes do visto humanitário, algumas Embaixadas
brasileiras na região aplicaram esse requisito inicialmente, divulgando em seus sites listas
com exigências de comprovação desde apoio com hospedagem a custos de revalidação de
diplomas. As organizações e a Defensoria Pública da União (DPU) reagiram prontamente,
alegando que não só as exigências eram ilegais, como impediriam na prática a obtenção do
visto por afegãos que buscam proteção contra o regime do Talibã. Na ocasião, o Itamaraty
voltou atrás e respondeu que passaria orientações às Embaixadas de que as exigências
não deveriam afetar pedidos individuais (1).

Posteriormente, novos problemas apareceram durante a última gestão, como a
suspensão de agendamentos de entrevistas nas Embaixadas, a morosidade no processo de
emissão dos vistos, indeferimentos de solicitações sem justificativa fundamentada e
negativas de emissão de documento de viagem emergencial, os quais foram criticados
pelas organizações, que continuaram em contato com o Itamaraty para reivindicar
melhorias (2). Porém, mesmo diante de tantas dificuldades, faz-se necessário reconhecer
que em nenhuma dessas oportunidades houve uma alteração da Portaria, de forma
tão restritiva, como a que tomamos conhecimento ontem.

Esperamos que o Ministério da Justiça e de Segurança Pública e o Ministério das
Relações Exteriores estejam abertos ao diálogo com a sociedade civil e possam repensar
os critérios presentes na Portaria nº 42/2023, para adequá-los aos princípios de direitos
humanos, tão reverenciados nas Leis de Migração e Refúgio brasileiras e que têm guiado o
governo federal até o momento em sua atuação sobre o tema. Solicitamos especialmente
que o disposto no artigo 3º seja rapidamente revogado e que o poder público assuma
sua responsabilidade primordial diante do acolhimento da população migrante e
refugiada.

Assinam:

1. ASBRAD – Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude
2. Balcão do Migrante e Refugiado -UPF/CSVM
3. BibliASPA
4. Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro
5. Cáritas Arquidiocesana de São Paulo
6. Casa do Migrante de Foz do Iguaçu/PR
7. Cátedra Sérgio Vieira de Mello da UFSC
8. Cátedra Sérgio Vieira de Melo da UEPB
9. CEM-LABUR/USP
10. Centro de Atendimento ao Migrante (CAM)
11. Centro de Estudos de Migrações Internacionais (CEMI), IFCH/UNICAMP
12. Centro de Integração do Migrante (CIM)
13. Centro Islâmico e de Diálogo Interreligioso
14. Círculos de Hospitalidade
15. Coletivo Conviva Diferente/SP
16. Conectas Direitos Humanos
17. Comitê de Migrações e Deslocamentos da ABA
18. Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD)
19. GPop (Grupo de Estudos de População da UFABC)
20. Estou Refugiado
21. Grupo de Estudo e Pesquisa em História Oral e Memória da USP (GEPHOM/USP)
22. I Know My Rights (IKMR)
23. Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH)
24. Instituto pelo Diálogo Intercultural
25. LEM (laboratório de estudos migratórios da UFSCar)
26. MIGRAIDH UFSM
27. Missão Paz
28. NIEM – Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios
29. Observatório das Metrópoles – Núcleo São Paulo (PUC SP)
30. Observatório das Migrações em Santa Catarina (UDESC)
31. Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO UNICAMP)
32. Pastoral da mobilidade humana da diocese de Foz do Iguaçu
33. Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes (ProMigra)
34. Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados – SJMR
35. Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM
36. SHE Institute
37. SIGNIS Brasil
38. Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS – Programa Pró-Imigrante.

Missão Paz

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