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“Não importa o que digam, a educação transforma”, afirmou angolano na Ufal

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Se a educação tem o poder de transformar vidas, o angolano Tomas Antônio Dias Soque certamente é um exemplo dessa mudança. Após passar por situações extremas em seu país de origem, ele decidiu migrar para o Brasil, apostou no ensino superior e, hoje, gera emprego e renda com a empresa que criou depois de concluir a graduação em Engenharia de Energias pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

A história de Tomas no Brasil tem início entre 2013 e 2014, quando desembarcou de Angola com um sonho: se graduar em Engenharia de Petróleo e conseguir proporcionar uma vida melhor para os pais e para os irmãos. Mas se engana quem pensa que o caminho até alcançar o seu objetivo foi fácil: ele enfrentou dificuldades financeiras, o choque entre culturas educacionais e pensou até em abandonar a graduação.

“Vim parar no Brasil porque eu estava em uma situação complicada em Angola e, à época, só via solução em outro lugar, não mais no meu país. Então, li uma notícia sobre um convênio entre as embaixadas do Brasil e de Angola, comecei a juntar meus documentos e participei da seleção. Passei em Engenharia Ambiental na USP [Universidade de São Paulo], mas a USP estava em greve. Fiquei dois anos na lista de espera. Quando estava desistindo, surgiu uma vaga em Engenharia de Petróleo na Ufal”, explicou o angolano.

Apesar da oportunidade que surgiu, a adaptação ao novo país não foi fácil. Um dos aspectos que pesaram foi o financeiro. Tomas não contava com reservas que assegurassem sua sobrevivência em Alagoas e fatores como moradia e alimentação acabaram se tornando uma preocupação adicional para o, então, estudante de engenharia.

“Cheguei em condições muito difíceis, porque o curso exigia todo o meu tempo para estudar, mas eu estava preocupado com o valor do meu aluguel e até com o que comer. Depois de dois meses, os professores conseguiram uma bolsa de emergência para mim, no valor de R$ 200, e eu aluguei um quarto a R$ 150. O que sobrava, R$ 50, era tudo o que eu tinha no mês. Havia momentos em que estava presente na aula, mas pensando: quando sair daqui, o que é que vou comer… então os conteúdos não entravam. Eu comecei a pensar: não vou conseguir, não vai dar certo seguir estudando”, revelou Tomas.

Além das dificuldades para se manter no país, o choque educacional foi outro fator que pesou para o angolano. A diferença entre os modelos de ensino fez com que Tomas se questionasse sobre a permanência na Universidade. Foi, então, que surgiu o curso de Engenharia de Energia em sua vida. Após ouvir seus pais, irmãos, professores e amigos, Tomas decidiu apostar na mudança e deu início a mais uma jornada.

“Comecei na Ufal no semestre 2013.2. Fiz três ou quatro períodos de Engenharia de Petróleo, mas não me identifiquei com o curso. Foi quando o Ceca [Campus de Engenharias e Ciências Agrárias] passou a ofertar o curso de Engenharia de Energias. Era o curso do futuro. Conversei com professores que me deram muito suporte em Engenharia de Petróleo, que me indicaram o curso de Química. Quando conversei com meu irmão, ele me disse: faz o que o teu coração está a seguir”, contou emocionado o angolano.

A mudança de curso fez muito bem a Tomas. De acordo com ele, na graduação em Engenharia de Energias, ele encontrou um ambiente alegre, receptivo e no qual ele se sentia mais realizado. À época, além de um novo curso, ele encontrou oportunidades de trabalho, que garantiram uma renda extra e condições mínimas de permanência.

“Comecei a trabalhar de segurança e a lavar louça em pizzarias à noite, quando saía das aulas. Depois, ganhei uma bolsa no valor de R$ 600, voltada para estrangeiros. Como tinha a bolsa e comecei a trabalhar, pude ajudar meus pais. Quando estava no curso de Engenharia de Energias, vi um curso de instalação de painéis solares. O valor era minha bolsa completa. Falei com meus pais: preciso fazer esse curso. Minha mãe disse: ‘Não se preocupa’. Juntei esse dinheiro e fui fazer esse curso”, revelou Tomas.

O angolano complementa: “E assim fiz: juntava dinheiro e fazia um curso no Senai. Depois, um curso de solda. Trabalhando, estudando e fazendo cursos. Saía de casa às 6h e seguia para a biblioteca da faculdade todas as manhãs. Depois da biblioteca, para a aula. Depois da aula, seguia para o trabalho ou para o curso complementar. Saía às 22h45. Chegava em casa à meia-noite. E era assim todos os dias”.

Ao olhar para trás, Tomas se diz orgulhoso por tudo que passou e grato a Deus pelas oportunidades que teve. “Dou graças a Deus porque houve muitas pessoas boas em meu caminho. Se não fossem elas, seria mais difícil ainda. Mas eu tenho muito orgulho do que passei e de onde estou agora. Sei que tem coisas que passei que não vou viver mais. Então, não tenho medo. Passei por situações precárias. Passei necessidade na vida. Não importa o que me aconteça, acho que nunca mais eu vou viver no nível que eu já vivi”, expôs.

Graduado em Engenharia de Energias pela Ufal, no primeiro semestre de 2023, Tomas montou uma empresa de instalação de painéis solares e presta serviço não só em Alagoas, mas em estados vizinhos. Atualmente, sua empresa conta com cinco colaboradores, a quem ele chama de parceiros. “Eu me recuso a chamá-los de funcionários. Não sou patrão, tenho parceiros”, pontuou o angolano.

Para ele, a “chave” que garantiu uma verdadeira mudança de vida foi a educação. “A Ufal foi minha mãe. Eu prezo muito pela Ufal, respeito muito, dou muito valor, eu luto, defendo. A Ufal me transformou. As pessoas que ficam falando da educação, acho que é por falta de conhecimento ou por medo. Talvez elas reproduzam algumas opiniões. Mas a realidade é que a educação transforma. A educação não é uma esmola. A educação te dá oportunidades”, ressaltou, emocionado, o angolano Tomas.

Questionado sobre o que dizer para dezenas de outros estudantes que se encontram na situação pela qual passou, o angolano é enfático: o segredo é não desistir. Tomas lembra o histórico de luta por direitos e oportunidades, especialmente por parte da população negra, e ressalta que desistir nunca foi uma opção real em sua vida.

“O ponto-chave é não desistir. Quem persiste, alcança. Nós negros, principalmente, vivemos, agora, coisas que foram conseguidas por sangue, por morte. Pessoas morreram para negros estudarem. Então, quando a gente chega nesses lugares, a gente sabe que é diferente. Tem pessoas que têm melhores condições, que fazem cursinho. E a gente chega da escola pública. A gente se sente um pouco inferior. Mas desistir não é uma opção. Essas coisas que as pessoas lutaram para que a gente possa ter hoje, nós não podemos abandonar. Sou símbolo de resistência. Não importa o que digam, a educação transforma”, defendeu.

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